folia em dia de chuva

Saturday, January 27, 2007

em dia de chuva. folia?


como a chuva que caia deixando o céu cinza – mas lá onde os olhos já quase não alcançam era possível encontrar um rasguinho de céu azul. tímido. encolhido. quase querendo esvanecer: assim parecia a vida de lia agora. algo de aliviante como aquela chuva de verão, mas também algo de turvo. de acinzentado. e somente lá no quase-fim um suspiro de esperança de que o futuro seria azul.
todos os dias a mesma rotina. todos os dias um tal de tentar entender seus sentimentos enquanto o sono não vinha. e quando ele vinha já não se sabia: podia ser bom ou nem. podia também ser insônia. ou às vezes mosquito.
lia lia e relia. devorava livros brincando de entrar na vida dos outros. brincando de ir e vir, lia ia. de quando em quando parava, se perguntava para onde, e então fazia de conta que não era com ela. afinal, quando ia já não era mesmo lia.
lia gostava do silêncio da casa. e quando a casa estivesse barulhenta, gostava do silêncio de si mesma. só falava quando queria. e sorria se perguntassem de sua quietidão. ela gostava mesmo era de olhar o mundo – mas com essa cinza chuva, mundo já não se via.
agora o que lia queria mesmo saber era o que seus olhos estariam a procurar. sede de que teriam seus curiosos olhos agora? queriam a sensação de sentir-se em casa mesmo estando longe, isso lia sabia. mas onde? onde, afinal, é o longe?
por não saber onde era o longe, lia lia.
lia e olhava o céu. e lá no fundo, quase perto do infinito, lia sabia que aquele rasgo de azul, era o azul que só lia via.

Wednesday, January 17, 2007

voltando aos outros

quando então escrever já parece querer passar de prazer para obrigação, vou me valer novamente das palavras alheias simplesmente para não deixar que as teias de aranha tomem conta desse espaço de forma irreversível.

na verdade, acho 'irreversível' uma palavra um tanto assustadora. prefiro mesmo é pensar que ela não existe.

sobre o poema de gullar acho que já virou até um pouco cliché. mas andei redescobrindo-o na voz de uma certa calcanhoto que deu todo um novo significado para as mesmas palavras aqui dentro.

sobre o poema de leminsky, re-achei enquanto procurava por gullar. (deparar-se com bloggs de desconhecidos é sempre uma experiência, eu diria, hmmm.... inusitada, talvez.) enfim, leminsky é leminsky. e além de ser leminsky me faz lembrar de jô, de paulie e de babs. e de curitiba também - o que quer que isso signifique...


Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Ferreira Gullar

:::::::::

Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.

Paulo Leminski

::::::::::::

e agora, de volta ao mundo word até que dele eu me liberte.