folia em dia de chuva

Friday, October 06, 2006

saudade do próprio sorriso


do lado de fora a chuva se derrama. aqui dentro, como que num abrigo, ela abre um caderno qualquer e lá está: uma foto de há poucos meses onde reconhece, no olhar-que-era-seu-mas-que-não-mais-lhe-pertence, um antigo (e quase antiquado) sentimento de felicidade inconsciente. por um instante pensa que essa talvez seja a mais verdadeira das felicidades: aquela que de tão mansamente chegar mal se percebe quando ela já se instalou em nós. ao olhar a foto, a saudade daquele outro lugar. saudade de um viver de certezas (de ilusões tão firmes quanto nuvens de para sempre) que iluminavam seu sorriso e a tornavam mais bela – mais presente.
naquele tempo de (há) poucos meses, viver era somente aquele tempo. lá, naquele outro lugar, não existia o antes, não existia o depois. ou, se existissem, todos ao redor disfarçavam muito bem. as memórias eram distantes como se pertencessem a qualquer outro universo que não aquele. o mundo parecia que já não haveria após a partida. lá, nos tempos da foto, tudo era aquele momento – nada além parecia existir. e de fato não existia. por isso era bem mais fácil sorrir. bem mais leve.
o céu ainda chora e ela a olhar a foto. sente de novo a vontade daquele leve sorriso de outrora como se nele buscasse uma verdade que já não mais está. e nem poderia estar. ao invés do sorriso o que vem é um vestígio de lágrima. mas não chora. já não – pois sabe bem que a saudade só brota em solos onde um dia se foi feliz.

sorri de volta para a menina da foto com um olhar de querer bem. com todo cuidado guarda na memória aquela piscadela de felicidade. a chuva ainda não quer secar porque o céu sim ainda tem o que chorar. no rádio uma canção lhe encanta a alma: ‘enquanto a noite passa, eu rego o seu jardim, você já vai voltar’. como se já nada mais houvesse a ser dito fecha o caderno e volta a pensar no futuro.

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