folia em dia de chuva

Thursday, October 29, 2009

dentro


Somente no dia em que chegou ao deserto descobriu que o mar, ah, este ela levava n’alma.

Wednesday, May 06, 2009

home is where it hurts

Foto: Renata Diem

Voltar à casa é sempre um grande exercício de estranhamento.
Estranho por si só é chamar de casa lugar a onde já não se pertence tanto.
É um pouco como reencontrar na rua uma grande amiga de infância, de adolescência. Alguém que costumava nos conhecer melhor que nós mesmos, alguém de quem já fomos íntimos e, de repente, no encontro, percebemos que nos falta assunto, que já nada há em comum além de uma história que no passado ficou.
E o reencontro com minha cidade também assim se me parece. Tudo ao redor é familiar – até mesmo os prédios novos que nem sabia eu que existiam. Acostumar-se às mudanças na paisagem parece ser das menores dificuldades – resolve-se com algumas piscadelas e pronto, lá está o novo. O que me custa é acostumarme às mudanças no olhar, a esse pertencer-não-pertencendo. É essa sensação de que por mais profundamente que eu conheça as veias da cidade, já não é por elas que correm meus dias. É passar por esquinas que se desvelam em lembranças e perceber que por elas, hoje, tudo que passa é passado. É admitir sem medo e sem culpas que, por mais que o sentimento permaneça, já não somos mais parte do dia-a-dia daquelas pessoas – assim como esse cotidiano já deixou também de ser parte da nossa vida.
Estranho isso de estar num lugar onde já não se está de fato, mas ao qual ainda se pertence – de certa forma. Porque, afinal, estranho mesmo é não mais saber a onde é que realmente se pertence – além, é claro, do pequeno lastro de casa que sigo carregando dentro.

Friday, May 01, 2009

no samba

Foto: Juliana Faillace

Lá por dentro de si podia ouvir um samba daqueles que sempre lhe davam vontade de dançar. Nem que fosse só com os dedos. Samba que se começasse a cantar, fazia um arrepio subir dos pés até a pontinha última de um fio de cabelo. Samba que lhe constituía, lhe alimentava, lhe fazia bailar o corpo e sorrir a alma.

Era do samba. A ele pertencia, desde sempre. Desde o colo do pai. Sua infância tinha sido de confete e serpentina. A vida toda seus pés souberam, como ninguém, obedecer àquele ritmo como se por ele fossem possuídos e, quando a música parasse, fossem devolvidos à dona.

Aprendera a entender o samba em sua alegria triste como muitas vezes sentiu que era por ele, e só por ele, compreendida em sua tristeza alegre. Estava de volta ao samba. E seu coração cantava chorando outra vez.

re-tomadas

Revisitando este lugar já há tanto abandonado, revejo coisas de já quase um ano faz. E ainda assim me reencontro com coisas ainda presentes, e me volta a vontade de mais aqui estar. Fica a vontade deste lugar reviver. Vontade – pois compromisso talvez seja palavra por demais forte. Prometo, no entanto, o esforço. Promessa essa para comigo mesma.

Friday, May 23, 2008

a beleza do longe

Prainha

Vontade de ir praí, prainha
Vontade de ficar na minha
Onde o sol à tardinha se esconde
Onde a noite escura nem é
Onde o mar vem lavar o meu pé
Onde só não me sinto sozinha

Praia aô, biribando sô
Vou a sem bando ô
É assim que eu me sinto melhor

De Chico César
Cantado por Mariana Aydar


Encontrei essa belezura de música essa semana num cd de uma moça de voz doce e de belas melodias. Já o primeiro verso me remeteu imediatamente à casa, aquela distante, aquela que tantas vezes deixei, aquela para onde inevitavelmente sempre se volta.

Sempre muito me inquietou essa contradição de sentimentos que se juntam quando estamos no longe. Esse sonho de voltar ao nosso canto no mundo, o lugar onde não há estranhamento, o lugar de pertencimento – a volta pra casa mesmo. Acho que estar longe é sempre, de alguma forma, o contraste do lugar onde se está com o lugar onde se quer estar (ou se pensa que se quer estar). E nisso de querer estar alhures, idealizamos lugares, pessoas, rotinas, amores. Achamos que tudo que está no longe é melhor, é perfeito, é tesouro que sempre buscamos e nunca havíamos conseguido enxergar bem em nossa frente. Lembramos constantemente das coisas boas, das boas companhias, das belas paisagens, do dia na praia, da preguiça no sofá da sala, da cerveja com os amigos no fim da tarde. Chego mesmo a achar que por vezes lembramos com saudade de coisas que nem nunca chegamos a fazer, mas que estando longe já não podemos mais.

Entre todas as minhas idas e vindas sempre tentei aprender a lidar com toda essa contradição dentro de mim: a escolha de ir e vontade de ficar. Mais que isso: a sensação de sempre querer estar onde não se está. Hoje já sei que a casa com que sonho quando estou longe é um lugar não existe. Ela é apenas a casa da minha imaginação. Os cheiros, as texturas, os sabores e os sons de que tanto sinto falta também não são tão intensos quanto me aparecem na lembrança. A saudade tem o poder de intensificar qualquer coisa, isso é que sim.

Tudo isso me acompanha há tempos e tempos. Mas surpresa mesmo fiquei foi ao perceber que hoje, ao ouvir na canção “vontade de ir praí prainha (...) onde o sol à tardinha se esconde, onde a noite escura nem é, onde o mar vem lavar o meu pé...”, ao invés da já bruta tristeza que costuma me assolar, o que senti foi uma saudade tranqüila. Saudade que sabe das coisas boas que aqui não há, mas que já não quer daqui sair. Saudade gostosa de não fazer sofrer. Talvez uma quase-nostalgia doce. Daquela que suspira ao pensar no que passou. Mas em seguida esboça um sorriso de quem sabe o que quer agora. E assim segue o domingo – na certeza de que o fim de semana não podia ter sido melhor.

Sunday, April 13, 2008

No branco da folha


Mas se um dia me perguntares por que foi que deixei de escrever, neste dia então te direi que para que se escreva é preciso que haja n’alma inquietude tão perturbadora que serena ou plenitude tão intensa que instiga.

Pois para que uma palavra após a outra na folha branca caia é preciso que algum amor em outro encontre repouso ou, ao contrário, que muitos desencontros em nossa vida esbarrem.


Fazer surgir beleza a partir do vazio talvez seja das artes a mais difícil. E a vida por vezes parece querer colocar um ponto final nas minhas reticências.

Sunday, April 06, 2008

da doçura da imaginação


E quando voltou ao bosque de sua infância, as pitangas vermelhas que só agora alcançava já não lhe pareciam tão doces.

Friday, April 04, 2008

os aldeotas



Outro dia fui por fim ver uma peça que um amigo querido há tempos tinha indicado.
Indicado não é bem a palavra. Disse mesmo é que eu tinha que ir. E ponto.
Fui.

Chamei uma amiga de passagem, que chamou a tia, que chamou a filha. E as quatro mulheres fomos.
Não lembro de ter visto qualquer coisa no teatro que fosse tamanho encantamento. De parecer acariciar lá dentro do coração com uma mão de veludo. De dizer combinações de palavras de surpreendente beleza.
De me fazer voltar no tempo, sentir ao meu lado amigos distantes, sorrir de igual no circo e em seguida chorar de tanta boniteza.

Lógico está que a peça falava de duas coisas das mais fortes que trago comigo: os amigos e a distância. Coisas essas que andam sempre tão perto e tão longe e tão constantes. Coisas essas sem as quais não vivo e sem as quais não sou quem sou.

E lá pelas tantas acontece o seguinte diálogo (transcrito segundo manda a minha memória):

“– Mas por que toda essa fome de conhecer o mundo?

– Conhecer eu já conheço, Elias. Eu só quero é confirmar...”


Não houve como não achar que ali era um pouco eu. Achar que alguém, de novo, havia colocado em palavras algo que há tempos sinto.

Eu poderia aqui tentar falar de toda a lindezura que a peça trata a amizade. Dizer do quanto lembrei de tanta gente em cada um dos trechos de cenas. Dizer o quanto senti saudades.
Mas não conseguiria nunca reproduzir aqui a maneira como aquele texto me tocou. Ao invés disso, deixo, aos meus amigos, todo meu amor.

E o desejo de que os encontros ainda sejam muitos por este mundo que vamos por aí confirmando...