folia em dia de chuva

Saturday, August 11, 2007

andar ao mar


Tinha os pés n’água e gostava de tê-los. N’água sentia-se em casa. De volta. A água de um frio que arrepia a alma e refresca o corpo quente. A água de querer estar submerso – sentir o sal na boca e os pés n’areia molhada. Água de lavar e levar tudo. Pro-fundo.Tinha os pés n’água e estava de volta.


Por muitos anos tinha estado fora. Longe de seu povo, longe da terra que lhe havia ensinado a ter os pés no chão. A caminhar. A cair. E, principalmente, a tentar levantar. Durante os últimos 20 anos tinha tentado aprender a dar seus passos por outros lados, outras paragens. Por vezes achava que caminhar era caminhar em qualquer lugar do mundo, em outros dias sentia-se como se tivesse desaprendido por completo o simples colocar um pé na frente do outro. Tinham sido 20 anos de passos inconstantes, tropeções, pisadas firmes, escorregadas, corridas, pernas bambas e períodos de ficar de pernas cruzadas. 20 anos como se estivesse caminhando na areia – mas sem o mar. 20 anos de caminhada sem um horizonte para olhar.


Voltava agora mais porque tinha que voltar que exatamente por vontade de rever o passado que ainda tentava deixar pra trás. Voltava porque já não havia opção. Voltava porque numa noite chuvosa seu melhor amigo de toda a vida tinha chocado o carro contra um muro e agora era preciso estar perto para poder se despedir. E se desculpar pelos 20 anos de caminhadas distantes.


Logo que chegara nem pôde sentir como era estar de volta. A dor da ausência (ausência que começara havia 20 anos mas que agora se tornara irremediável) impedia tudo – até mesmo as lágrimas. Durante os primeiros dias de negro fora uma pessoa distante, ausente para o resto do mundo, completamente mergulhada em si mesmo. Tratava de tentar suportar a cratera que se abrira em seu peito e que engolia todas as outras coisas. Não conseguia. Foi ao mar ver se os pés n’água lhe davam alguma firmeza. Se lhe preenchia – de areia que fosse – não só os espaços entre os dedos do pé, mas também o vazio d’alma.


Pois sim. Estando n’água voltava a algum lugar. Um lugar onde talvez nunca tivesse estado, mas que era o lugar de onde mais sentia saudades. O seu lugar no mundo. Voltava ao mar para voltar a si, mas também para inundar-se de outras sensações. Sentia frio e isso o fazia sentir bem. Em sua cabeça, um filme com os melhores e os piores momentos junto de seu melhor amigo. À medida que passavam, as cenas eram levadas pelas ondas até que descansassem em algum lugar no fundo do mar. Já só a imensidão poderia suportá-las. Ele não.


Voltou à areia. Voltou a estar só. Ele e o frio do corpo. Em sua cabeça escutava um solo de saxofone. E em seu peito ecoava o som do nada. Estava sozinho. E dessa vez para sempre. E sabendo disso, assim só e só assim, decidiu seguir caminhando. Tendo ou não caminho. Tendo ou não destino. Tendo ou não o mar e o horizonte – agora seus únicos amigos. Enquanto estivesse vivo seguiria caminhando – da maneira que essa mesma terra lhe havia ensinado – porque mais do que sentir-se bem, lhe importava mesmo era seguir sentindo. Até onde houvesse sentimento.

2 #Comments:

Blogger Ficas pingou...

Que lindo! Adorei, muito!
E tu, como tá? Quando vem?
Beijos!

Escreva mais, sim!?

4:02 PM  
Anonymous Anonymous pingou...

Ê! Não vais acreditar. Não vou na formatura do Victor, estarei em Macaé. Eu sei, eu sei...eu sou péssima. Brincadeira, né ô??? Mas, tudo bem...E aí, como vão as coisas??? Menos sozinha?? Espero que sim, senão serei obrigada a te resgatar, fazendo uma visita uma final de semana qualquer!!!! Içaaaaaa!!! Toca o barco, então??? Beijo pra ti, maquirida!!!!

11:21 AM  

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